Ever Given: encalhe é só a ponta do iceberg da crise em Supply Chain 

Por Rodrigo Scolaro, economista da COSTDRIVERS 

Poderia ser até uma cena saída de um filme hollywoodiano: um navio gigantesco, com capacidade para transportar mais de 20 mil TEUs [um TEU é equivalente à unidade de medida de um contêiner de 20 pés], preso em um dos pontos de estrangulamento de transporte marítimo mais movimentados do mundo. Esse foi o enredo de uma história sem precedentes no mundo – que parou o canal de Suez há poucos dias – e que teve como protagonista a embarcação Ever Given, um dos maiores porta-contêineres do mundo. 

Entretanto, essa é só a última peça em um complexo emaranhado de problemas que têm afetado a cadeia global de fornecimento desde o começo da pandemia do coronavírus. Falta de contêineres, de mão de obra, e a pressão do setor aéreo, com aviões comerciais desocupados já sendo usados para transporte de insumos para vacinação – elevam o embate dos custos e a necessidade de eficiência. 

O cálculo do prejuízo causado pelo encalhe do Ever Given talvez nunca possa ser feito em sua totalidade, mas o impacto não foi pequeno, se considerarmos que ao menos US$ 3 bilhões de mercadorias por dia passam pelo canal. Mais do que isso, o acontecimento também vai, nos próximos meses, reverberar em mudanças graduais, mas que podem desenhar novas rotas. Na China, por exemplo, serviços de transporte por trem tiveram um pico na Rota da Seda após o incidente do Canal de Suez – com a capacidade de transporte completamente lotada até o final de maio.  

Crise nas cadeias globais 

O problema nas cadeias globais de Supply Chain vai além e, claro, esbarra no impacto causado pelo COVID-19. A pandemia trouxe caos ao setor de transporte marítimo e, recentemente, houve um substancial aumento de preços – sobretudo no transporte de contêineres. A alta ocorre sobretudo pelo tempo que os barcos têm ficado presos nos portos ao redor do mundo, em função do custo e da falta de mão de obra para carga e descarga. O atraso nos portos, claro, impacta o transporte e armazenagem terrestres, sendo repassado para produtos e commodities. 

Outro ponto para a crise no transporte marítimo foi a falta de contêineres – que começou, claro, com a pandemia. A falta de mão de obra disponível nos portos e a diminuição do número de navios em funcionamento foram coadjuvantes neste cenário – agravado no final do ano por uma mudança no comportamento do consumidor – levando a um aumento no influxo de bens exportados da Ásia para os Estados Unidos. 

Com isso, centenas de contêineres ficaram presos em solo norte-americano, por conta das restrições de mão de obra. Hoje, ainda, de cada 10 contêineres parados nos EUA, apenas quatro retornaram para a Ásia. 

Cenário brasileiro 

No Brasil, o terceiro trimestre de 2020 registrou um aumento na movimentação portuária de 2,1%, quando comparado ao mesmo período de 2019.  

Apesar da alta, o aumento nos preços, atrasos e mudanças no itinerário de diversos navios atrapalha a logística dos portos e exportadores – que já operam em uma característica diferenciada devido à natureza comercial do Brasil – que compra muitos produtos manufaturados e exporta commodities. Estas últimas utilizam geralmente o transporte a granel e não contêineres – e as empresas que param no país para descarregar manufaturados preferem voltar com seus contêineres vazios, ao invés de “meio cheios”, visando um lucro maior no carregamento de produtos manufaturados para outras regiões.  

Esses fatores atrapalham a exportação de diversos setores, como o de carne, e também a produção de manufaturados em solo nacional que dependem de produtos importados, como os setores têxtil e automobilístico. 

A CNI divulgou recentemente um relatório em que aponta uma diminuição no número de operadores marítimos no país nos últimos anos, contribuindo para um cenário de pressão dos preços devido a menor concorrência. Há também a discussão sobre o projeto BR do Mar, que deve ser votado no final de abril, e visa permitir a utilização de navios estrangeiros para cabotagem em rotas nacionais e, assim, diminuir os custos com transporte no país com mais concorrência e menor necessidade de uso de caminhões para grandes viagens entre regiões costeiras. Embora pareça uma alternativa atrativa, há críticas ao projeto. 

Pelo mundo, diversas empresas de transporte estão aproveitando o momento para aumentar seus lucros, tendo em vista que esse comportamento pode durar até o final do ano. Há fatores que podem alterar essa previsão, como o ritmo de vacinação e de retomadas econômicas pelo globo, aumento da capacidade de produção de novos contêineres e novas saídas logísticas para o escoamento da produção global. Só nos resta esperar que outro encalhe de proporções globais não nos tire ainda mais da rota da normalidade. 

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